Etimologia da palavra FAVELA

Aqui temos um excelente conjunto de matérias sobre a ETIMOLOGIA da palavra FAVELA, escrita por Márcio José Lauria inicialmente enviada pelo Guia Jimmy Havellock Campbell, seguindo a Rosario Amaral que enviou matéria sobre Histórico Ilustrado da Favela e adicionado por mim com um relato em Espanhol e a seleção de outro escrito por Francisco de Paula Melo Aguiar.
Gerardo Millone

O significado de âmbito nacional que assumiu o vocábulo FAVELA, embora decorrência da campanha de Canudos, nem chegou, muito provavelmente, a ser do conhecimento de Euclides da Cunha.

O primeiro emprego de Favela, em Os Sertões, tem acepção geográfica: “Todas traçam, afinal, elíptica curva, fechada ao sul por um morro, o da Favela, em torno de larga planura ondeante onde se erigia o arraial de Canudos – e daí, para o norte, de novo se dispersam e decaem até acabarem em chapadas altas à borda do S. Francisco” (p. 19).

Outras referências ao morro da Favela se encontram às páginas 21, 348, 349, 350 e 352. Há uma citação indireta na 240.

A descrição botânica do termo está às páginas 37 e 38: “As favelas, anônimas ainda na ciência – ignoradas dos sábios, conhecidas demais dos tabaréus – talvez um futuro gênero cauterium das leguminosas, têm, nas folhas de células alongadas em vilosidades, notáveis aprestos de condensação, absorção e defesa.”

Pedro A. Pinto, no raríssimo Os Sertões de Euclides da Cunha (Vocabulário e Notas Lexiológicas), Rio, Francisco Alves, 1930, assim define o verbete Favela:
“1. Monte ao sul de Canudos.
2. Faveleira. Planta euforbiácea, ou segundo Euclides, leguminosa”.
E dá como exemplo o mesmo que transcrevi das páginas 37 e 38.

Um parêntese relevante: meu exemplar da citada obra de Pedro A. Pinto é xerocopiado. São mais de 300 páginas bem legíveis e belamente encadernadas, preciosa oferta do pranteado amigo e euclidiano Moisés Gicovate.

Quanto à classificação botânica moderna, louvo-me nas informações do Prof. Geraldo Majella Furlani, que me indicou os trabalhos “Contribuição ao estudo da caatinga pernambucana”, de Walter Alberto Egler, estampado na Revista Brasileira de Geografia, ano XII, n.º 4, IBGE, Rio, 1951, e A Vegetação Brasileira, de Mário Guimarães Ferri, Editora da USP, 1950. Pela primeira fonte, as faveleiras são arbustos muito esgalhados (Jatropha phyllacantha) (p. 70), e pela segunda, a mesma faveleira é o nome vulgar de uma árvore (Cuidosculus phyllancanthus), da família das euforbiáceas (p.36). Daí se infere que as denominações favela, faveleira, faveleiro abrigam vegetais de diferentes nomes científicos e até de diferentes famílias.

Mas o objetivo principal deste estudo prende-se aos desdobramentos de significações lingüísticas com repercussões sociais sofridos pela palavra Favela. O que parece fora de dúvida é que no morro da Favela, ao sul de Canudos, havia árvores ou arbustos conhecidos por favela. E desses vegetais originou-se o nome do mesmo morro. Ocorreu, assim, um caso de eponímia, ou seja, situação em que o nome de coisas ou de lugares é tirado de outras coisas ou de pessoas. Por ter dado nome a um lugar, no caso um morro, favela (planta) desempenhou a função de epônimo.

Quanto à etimologia de favela, há duas hipóteses:

Antônio Geraldo da Cunha, no Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa, Rio, 1982, liga o termo a fava.

José Pedro Machado, no Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Lisboa, Livros Horizonte, 4.ª ed., 1987, relaciona-o com favo.

Compartilho a opinião de Cunha.

Antenor Nascentes não consigna o termo em seu pioneiro Dicionário Etimológico, Rio, 1932, no qual trata apenas de substantivos comuns. Mas no tomo II, 1952 (nomes próprios), fornece preciosas informações no “Aditamento”. Transcrevo: “FAVELA. Morro da Bahia, em Canudos. De favela, diminutivo de fava, que deve ser um brasileirismo, pois os léxicos portugueses não dão. Favela é nome de um arbusto que Euclides da Cunha, Os Sertões, 41, aponta como sendo da família Leguminosae (a que pertence a fava). Morro do Distrito Federal, antigo da Providência. Tomou este nome depois da campanha de Canudos (1896-7). Veteranos da campanha pediram permissão ao ministério da Guerra para construir casas para suas famílias no morro da Providência. Daí por diante, o morro, seja como recordação da campanha, seja por alguma semelhança de aspecto ou por estar sobranceiro à cidade, como o de Canudos, passou a chamar-se da Favela, nome que se tornou por assim dizer nacional”.

Dois esclarecimentos ao texto de Nascentes:

A citação de Os Sertões é a mesma que indico estar às páginas 37 e 38 da edição que uso.

Distrito Federal é referência à cidade do Rio de Janeiro, capital do País até 1960.

Na verdade, favela passou a termo de aplicação nacional, voltando a ser empregado como substantivo comum, com sentido nitidamente pejorativo: “FAVELA, (...) // Conjunto de casebres toscos e miseráveis, geralmente em morros, onde habitam marginais (...).” (Dicionário Caldas Aulete, Rio, Delta, Edição Brasileira, 1958.)

O Lello Universal, Porto, s.d., em edição da década de 40, é mais radical:

“FAVELA, s.f. Brasileirismo. Neologismo. Planta das caatingas. - Morro habitado por gente baixa, arruaceira. Por analogia: lugar de má fama, sítio suspeito, freqüentado por desordeiros”.

O Novo Dicionário Aurélio, Rio, Nova Fronteira, 2.ª edição, 1986, ameniza sobremaneira a definição do termo, adaptando-a à realidade, que faz não só marginais habitarem favelas: “favela. (...) 1. Conjunto de habitações populares, toscamente construídas (por via de regra em morros) e desprovidas de recursos higiênicos”. (...)

O Michaelis – Dicionário Prático da Língua Portuguesa -, São Paulo, Melhoramentos, 1987, segue a mesma linha: “ Favela, s.f. Aglomeração de casebres ou choupanas toscamente construídas e desprovidas de condições higiênicas”.

O Novo Aurélio Século XXI, Rio, Nova Fronteira, 3.ª ed., 1999, adota a mesma redação do Aurélio de 1986 e dá como sinônimos morro (RJ) e caixa-de-fósforo (SP), além de registrar favelado como “habitante de favela”, assim como desfavelar (“acabar com favela existente em”), desfavelamento (“ato ou efeito de desfavelar”) e favelizar-se (“adquirir aspecto ou condição de favela”).

A imprensa, vez por outra, vem empregando favelizar (não pronominal) no sentido de “implantar-se uma favela”. O substantivo correspondente é favelização.

Nenhuma referência dicionarizada a favela é, porém, mais completa no aspecto social do que a do Padre Fernando Bastos de Ávila, S.J., em sua Pequena Enciclopédia de Moral e Civismo, Rio, MEC/FENAME, 2.ª edição revista e atualizada, 1972; creio, contudo, que a explicação dada à ocupação do morro no Rio de Janeiro é menos adequada do que a de Antenor Nascentes:

“FAVELA. Etimologicamente é um termo latino que significa pequena fava. Historicamente, é o nome de uma pequena colina de uma região da Bahia, de onde provieram os migrantes que se instalaram, pela primeira vez, no Rio de Janeiro, nas imediações da Estação Pedro II da Central do Brasil.

Ocuparam, na ocasião, uma pequena elevação, que, pela semelhança com a colina baiana, chamaram de favela.

Daí o nome se estendeu a todas as aglomerações de barracos construídos na cidade do Rio de Janeiro, seja em escarpas, seja em regiões planas, em geral alagadiças, e que apresentam as seguintes características:

1) ocupação efetiva do terreno, sem título jurídico que dê aos ocupantes a posse legal do mesmo;

2) carência de serviços básicos de qualquer aglomeração urbana, principalmente água e esgotos;

3) precariedade das construções dos barracos, feitos pelos próprios moradores, não só sem nenhum plano de conjunto que os proteja contra incêndios e facilite a circulação, como sem garantias de estabilidade contra a ação das intempéries, especialmente das chuvas torrenciais;

4) condições subumanas de vida, em especial devidas à exigüidade do espaço que obriga a uma vida de promiscuidade. (...)

As favelas são o resultado de dois fatores básicos:

1) o ritmo das migrações internas (...);
2) o baixo nível dos salários. (...) Não existe uma solução única para todas as favelas; nem se pode tratar de erradicá-las para as transplantar para as zonas periféricas, porque a favela não é um fenômeno vegetal, e sim humano: nem se trata de urbanizá-las todas ‘in loco’, porque muitas estão localizadas em sítios que exigiriam custos vultosíssimos para o mínimo de condições indispensáveis de urbanização. (...)”

Num dos buscadores internacionais de assuntos da Internet – Google -- estão consignadas mais de cento e oitenta mil referências ao termo, quase todas no seu sentido mais atual, como Rádio Favela, Favelatour, Rocinha – the biggest slum in South America. Sinônimos em outros países subdesenvolvidos: comuna, población, barrio de miseria, toma de tierra, slum, pueblo joven...

EM SUMA:

No Brasil, o vocábulo FAVELA teve a seguinte trajetória significativa:
1. Substantivo comum, designativo de arbustos e árvores da caatinga;
2. Substantivo próprio; epônimo de um morro situado nas proximidades de Canudos, Ba;
3. Substantivo próprio: topônimo de um morro na cidade do Rio de Janeiro.
4. Substantivo comum, com sentido depreciativo, ligando-se a habitações de marginais;
5. Substantivo comum, perdido o sentido depreciativo e evidenciada a significação socioeconômica do tipo de habitação popular que designa;
6. A partir da acepção atual, abertura da possibilidade de formação de substantivos, verbos e adjetivos cognatos, alguns ainda não dicionarizados.

Observação final:

As páginas de Os Sertões citadas neste estudo referem-se à 23.ª ed., Francisco Alves, 1954.

MÁRCIO JOSÉ LAURIA



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Veja tambem as matérias complementares referenciadas.


Histórico Ilustrado
da Favela

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Documentário
em Espanhol

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Relato de
Francisco de Paula

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ETIMOLOGIA
da palavra FAVELA

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