Aqui temos Margarida Lopes de Almeida, atriz e declamadora, filha do casal de escritores Júlia Lopes de Almeida e Filinto de Almeida - estão entre os fundadores da Academia Brasileira de Letras -, interpretando poemas brasileiros com as inflexões vocais típicas da época, em dois “estilos” diferentes.

No lado A: poesia digamos mais “tradicional”, representada por nomes do passado como Martins Fontes - na lúgubre e fantástica descrição da cidade de São Paulo em “Serenata”, e Olavo Bilac - com o famoso “Via Láctea”: “...amai para entendê-las, pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e entender estrelas.”

No mesmo “espírito” estão Raul Machado, Afonso Lopes de Almeida [irmão de Margarida] e Artur de Sales - em “A Música dos Bilros” foram incluídos ruídos típicos destes pequenos instrumentos de madeira usados pelas rendeiras, em uma tradição secular que perdura do Brasil colônia e ainda pode ser encontrada em comunidades mais ou menos isoladas, distribuídas pelo nordeste e especialmente na Ilha de Santa Catarina, na cidade de Florianópolis.

Já o lado B é preenchido por uma poesia um bocado mais “moderna”: com Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Guilherme de Almeida e Manuel Bandeira.

“Há nos versos qualquer coisa que vai diretamente à emoção do ouvinte; este não tem tempo de ligar idéias, perceber intenções, as quais só na leitura pode com vagar apreender. A poesia ouvida tem de ser sentida imediatamente; é necessário que o poema impressione, seja pelo efeito da voz, seja pela possibilidade de efeitos plásticos que o intérprete ponha em jogo na representação”.


Escreveu a artista Margarida Lopes de Almeida na contra capa deste pequeno LP em 10 polegadas lançado pelo extraordinário selo Festa em 1955, selo criado pelo sonhador Irineu Garcia que se preocupava até mesmo em creditar os artistas que faziam suas capas, nomes como Lígia Clark, Di Cavalcanti..., aqui: Athos Bulcão, com fotografia de Hess.

FONTE:
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As mãos do Cristo Redentor foram moldadas de uma mulher,Margarida Lopes de Almeida, filha da poetisa Júlia Lopes de Almeida.Imagem: Alberto Taveira, intervenção sobre imagens deSEMENOVITCH, Jorge Scévola, Corcovado: a conquista da montanha & farm1.static.flickr.com
FONTE:
www.vivercidades.org.br/publique222/media



Pouco antes de morrer, em 1979, ela negou que suas mãos tenham servido de modelo para as do Cristo, mas isso é contestado e muitos atribuem tal confissão à caquexia.
Milton Teixeira

POEMA DE MARGARIDA

OFERENDA

Senhor!
Venho dar-te a sorrir toda a minha alegria,
minha imensa alegria!
minha felicidade, meu riso, meu amor,
Senhor!
Todos vêm a Ti para rogar,
para pedir, para chorar,
para implorar de Ti consolação,
auxílio, bênções ou perdão.
Eu não,
Senhor,
eu venho para dar!
Sobeja-me ventura;
transborda em minha vida
sol,. fulgor, claridade,
e meu sonho de amor e de beleza
foi bem menor do que a realidade.
Senhor, eu venho para dar!
Recebe em Tuas mãos
habituadas a colher
preces, imprecações,
lágrimas e desesperos,
um ramo perfumado
de lírios e de rosas,
de cantos e sorrisos,
de hosanas e de graças!
Toma de mim um pouco de ventura
para dares a cada criatura
que na vida não conheça
a glória de ser feliz!
Tenhoa-a tanta, meu Deus, que embora a tomes
fica-me farta messe
para distribuir e para dar ainda!
Quero que todos saibam
minha alegria infinda!
Quero gritar ao mundo
que adoro a vida
que é boa, e bela, e forte e apetecida;
e que, mesmo que um dia a minha sorte
se transforme de súbito, e o que é belo
e o que é bom e alegre, a morte
me arrebate das mãos com crueldade;
eu bendirei a vida na saudade
de um bem que tive que é tão grande que há de
iluminar eternamente, mesmo a treva
mais densa e mais profunda!
Senhor!
Uma luz fulgurante os meus olhos inunda.
Toma-me um pouco dessa luz, derrama-a
sobre aquele que é cego de ventura,óu mal, ou pervertido.
E deixa-me dizer-Te com amor:
— Obrigada, Senhor, por ter nascido!
Obrigada, Senhor!

Margarida Lopes de Almeida
Publicada em "O Jornal", 04/09/1957, RJ



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