PALMA MÁTER


A FINADA MÃE DE TODAS AS PALMEIRAS REAIS.


A 13 de maio de 1808 Sua Alteza Real Príncipe D. João completava nesta cidade do Rio de Janeiro, o 41.o aniversário da sua “preciosa e inestimável existência”, no dizer do Padre Perereca.
Para comemorar tão fausto acontecimento, S.A.R. houve por bem assinar o decreto que criava uma fábrica de pólvora à margem da Lagoa Rodrigo de Freitas, onde existia um engenho de açúcar.
O terreno foi adquirido a D. Maria Leonor Rodrigo de Freitas, pela quantia de quarenta e dois contos de réis. Esta senhora, descendente de Rodrigo de Freitas Castro, apenas receberia a quantia em 1824, após a Independência do Brasil – coisas da burocracia da época.
Foi nomeado Diretor em 1808 o Sr. João Gomes da Silveira Mendonça, mais tarde Visconde de Fanado e Marquês de Sabará, que, gostando de plantas e flores, fez para sua recreação um pequeno jardim ornamental num canto dos terrenos da fábrica.
O Ministro da Guerra, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, ao ver a iniciativa do Diretor, sugeriu a D. João a criação de um horto destinado a aclimação e cultura das especiarias da Índia: chá, cravo, canela, pimenta, de que ele e toda a Côrte eram grandes apreciadores.
A idéia era boa. Sendo produzidos aqui, esses condimentos sairiam mais em conta do que vindos das Índias ou de Macau; poupava-se o frete, ganhava-se tempo; não havia riscos marítimos e os excedentes poderiam ser exportados para a Europa em condições economicamente vantajosas.
Não hesitou num um instante o Regente. Um mês depois, por Decreto de 13 de junho de 1808, criou o Jardim de Aclimação, depois Real Horto Botânico, destinado à aclimação e cultura de plantas exóticas e especiarias das Índias Orientais.
Não se tratava, portanto, de um verdadeiro jardim botânico, isto é, de um instituto científico destinado a manter coleções de plantas vivas, nativas e exóticas, para estudos.
Era apenas um campo experimental, cujo objetivo se restringia a aclimar e cultivar plantas exóticas, para fins comerciais.
Mas seja lá como for, valeu a pena,


D. João, desde janeiro de 1809, ia frequentemente à nova fábrica em sua traquitana, seguindo pela rua São Clemente até a Praia da Piaçava, na Fonte da Saudade; aí descia; uma canoa o levava até o fim da jornada. Evitava passar defronte do Corcovado com receio de que uma pedra – a pedra santa, como era conhecida – desprendendo-se da encosta junto ao caminho lhe amassasse a real pessoa. Essa pedra foi posteriormente retirada para alargamento da estrada.
Durante o governo de D. João, não eram permitidas visitas de particulares. Estas só foram autorizadas em 1824 na administração de Frei Leandro do Sacramento, mas os raros visitantes eram acompanhados por um soldado da guarda do estabelecimento.



Compreende-se. Junto a jardim estava uma fábrica de pólvora, que ali funcionou até 1826, quando foi transferida para a Serra da Estrela, em Magé, na então Província do Rio de Janeiro.
Por edital de 27 de julho de 1809 a Junta do Comércio tornou público que o Príncipe Regente concederia prêmios em dinheiro ou medalhas honoríficas a quem introduzisse no país ou fizesse climatizar árvores de especiaria fina da Índia.
Um acontecimento fortuito veio favorecer os planos do Príncipe.
A fragata Princesa do Brasil naufragou nas costas de Goa; os sobreviventes embarcaram no brigue Conceição com destino ao Brasil. Foram, porém, capturados pelos franceses com quem Portugal estava em guerra, e levados para a ilha de França, atual ilha Maurícia, pero de Madagascar, e possessão inglesa desde 1814 em conseqüência das guerras Napoleônicas.
Já se encontravam lá muitos outros portugueses das guarnições da fragata Minerva e outras, aprisionados também pelos franceses.
Mal chegados, foi a ilha tomada pelos ingleses, que libertaram os portugueses e colocaram na prisão seus captores franceses.
Liderados pelo comandante da Princesa do Brasil, chefe de divisão Luís de Abreu Vieira da Silva, dirigiram-se ao Governador da Ilha de França e solicitaram permissão para voltar ao Brasil. O pedido foi atendido. Fretaram o veleiro “La Ville d`Autun” e embarcaram duzentos portugueses tripulantes dos navios aprisionados. Antes, porém, tinham conseguido roubar no Jardim Gabrielle, sementes e preciosas plantas exóticas com que encheram mais de vinte caixotes. Essas sementes eram de moscardeira, canforeira, abacate, lechia, mangueira, cravo da Índia e, além de outras, uma da palmeira Oreodoxa Olerácea (segundo Martius).
Chegaram ao Rio de Janeiro no mês de junho de 1809. Logo que desembarcaram fizeram doações das sementes a D. João que se apressou em mandá-las para o Real Horto.


Quanto à Oreodoxa Olerácea, ou, como é atualmente classificada, a Roystonea Olerácea, D. João fez questão de plantá-la ele mesmo ainda no mês de junho.
É a famosa Palmeira Real, ou “Palma Máter”, que viveu pujantemente até 1972, chegando a 163 anos e trinta e nove metros de altura, olhando sobranceiramente todas as outras plantas do jardim, pois as excedia a todas em altura e majestade.
Foram suas filhas ou netas, as 128 palmeiras que compõem a alameda principal em frente ao portão de entrada – aléia Barbosa Rodrigues.
Tem o mesmo parentesco as 142 palmeiras que constituem a aléia paralela à rua Jardim Botânico – aléia Cândido Baptista de Oliveira.
Foram suas filhas, netas ou bisnetas, as finadas palmeiras do Mangue, as da rua Paissandu e as do Palácio Itamaraty.
São finalmente suas descendentes diretas todas, absolutamente todas as palmeiras da mesma espécie existentes no Rio de Janeiro e em todo o Brasil.
Conta-se que, quando frutificou pela primeira vez, o então Diretor do estabelecimento, Bernardo Joaquim José de Serpa Brandão (1829) quis monopolizar a planta para o Jardim Botânico. Mandou queimar todas as sementes produzidas, repetindo essa determinação todos os anos. Entretanto, os escravos que trabalhavam no Jardim levantavam-se durante a noite e subindo à árvore colhiam as sementes que vendiam a 100 réis cada uma. Desse modo foi plantada por toda a parte do Brasil, reproduzindo-se e vingando admiravelmente, a ponto de parecer planta nativa.



Quanto à sua origem é necessário um esclarecimento. Vários autores dão-na como proveniente das Antilhas. Não é verdade. Ela veio mesmo da Ilha da França. O que aconteceu foi o seguinte: desde 1770 os franceses aclimavam plantas de outras regiões num estabelecimento botânico superiormente dirigido, denominado de Jardim Gabrielle, instalado na Ilha de França. Entre elas incluíam-se palmeiras procedentes das Antilhas. É justamente a semente de uma dessas plantas, já aclimadas na Ilha de França, que veio para o Brasil.
O Dr. Barbosa Rodrigues, um dos grandes diretores do Jardim Botânico tinha os maiores cuidados com a Palmeira Real. Certa vez descobriu que as lagartas atacavam a árvore, ameaçando-lhe a existência. Emendou escadas umas às outras e lá se foi ele até o alto da palmeira, de onde retirou três quilos de lagartas. Desde então, periodicamente, se repetiu a limpeza das folhas da árvore.
O mesmo Dr. Barbosa Rodrigues, em 1909, comemorou-lhe o centenário inaugurando defronte dela o busto em bronze de D. João VI, obra do artista Rodolfo Bernardelli.
O Sr. Guilherme Guinle, em 1934, mandou cercar a Palma Máter com um gradil de ferro para protegê-la.
Ao redor dela, rendendo-lhe homenagem, estão outras palmeiras, suas descendentes, plantadas respectivamente pelo Príncipe D. Pedro de Orleans e Bragança, tataraneto de D. João VI, em 26 de outubro de 1937; pelo Diretor do Jardim Botânico, Sr. Paulo de Campos Pôrto, em 19 de junho de 1938, comemorando o 130º. aniversário da fundação do Jardim; pelo Sr. Getúlio Vargas em 14 de outubro de 1938; pelo General Craveiro Lopes, Presidente da República Portuguesa, em 11 de junho de 1957.
Em frente à Palmeira Real, estavam, como a evocar as suas companheiras de viagem de 1809, uma árvore de Cinamomo Camphora, procedente da China, e um pé de Cravo da Índia, das Ilhas Molucas.
Foi assim que a conheci em 1969, eu, um garoto de onze anos, que ficou emocionado ao encontrar o único ser vivo que privara com um Rei e ainda assim permanecera cento e sessenta anos depois. Ainda a revi umas duas ou três vezes, até que chegou o fatídico mês de outubro de 1972. Numa noite de pesadas chuvas, um raio acertou a Palma Máter, destruindo sua bela copa e queimando o cerne da árvore. Vi-a logo depois do raio, que chegou a entortar a grade que a circundava. Tentaram salvá-la, mas ainda não inventaram entre nós a ressurreição dos mortos. Em janeiro de 1973, a Palma Máter foi abatida para não cair sobre os freqüentadores do parque. Hoje, cerca de um metro e meio de seu tronco encontra-se em exibição no museu botânico.
No mesmo ano de seu abate, o Diretor do Jardim Botânico, Leonan de Azeredo Penna replantou no sítio da Palma Máter uma semente sua, e hoje, trinta e cinco anos depois, a nova Palma Filia já atinge mais de vinte metros.
É o ciclo da vida que continua.

Milton de Mendonça Teixeira.





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